A RNCCI e os Cuidados de Longa Duração em Portugal
Os Cuidados de Longa Duração estão estritamente ligados ao fenómeno do envelhecimento da população, que no caso de Portugal é preocupante ao assumir, na Europa, a segunda posição no índice de envelhecimento - relação entre número de pessoas com mais de 65 anos, para cada 100 pessoas menores de 15 anos da população residente em determinado território:
O envelhecimento da população traz consigo diversas questões, como o peso da doença crónica e de multipatologias em simultâneo durante mais anos e o aumento de pessoas com doenças degenerativas, com demências e com grau/nível de dependência.
A par constatamos uma redução da natalidade, que irá ter impacto na diminuição da população ativa e consequentemente na economia.
Assim, as alterações sócio económicas e demográficas traduzem-se num aumento da procura global de serviços de cuidados de saúde e de cuidados de longa duração, pelo que o “Envelhecimento” tem de vindo a constituir-se como prioridade nas agendas politicas nacionais, bem nas recomendações e medidas propostas pela Comissão Europeia.
Segundo a OCDE/Comissão Europeia entende-se por Cuidados de longa duração (Long Term Care):
“um conjunto de serviços destinados a pessoas com um grau reduzido de capacidade funcional, física ou cognitiva, e que consequentemente dependem por um longo período de tempo de ajuda para as atividades de vida diária (AVD).
A componente de cuidados de apoio social é frequentemente prestada em articulação com cuidados médicos e de enfermagem (tratamento de feridas, gestão da dor, medicação, … ), bem como serviços de prevenção, reabilitação ou cuidados paliativos.
Os serviços dos cuidados de longa duração podem ser suportados por cuidados no domicílio, em ambulatório ou internamento.”
A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) constitui-se como uma das respostas ao envelhecimento em Portugal, a par do Estatuto do Cuidador Informar e das respostas de apoio social das pessoas idosas, nomeadamente Centro de Dia, Centro de Noite, Centro de Convívio, Serviço de Apoio Domiciliário, Acolhimento Familiar para Pessoas Idosas e Estrutura Residencial para Pessoas Idosas.
A RNCCI situa-se num nível intermédio de cuidados, entre serviços comunitários (centros de saúde, serviços de apoio domiciliário, estruturas residenciais para idosos) e os cuidados hospitalares, dispondo de 15 800 lugares/visitas, promovidos por entidades públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos, que prestam cuidados no domicílio, em ambulatório e internamento:
Em 2022 foram assistidos 52 155 utentes na RNCCI, dos quais 37 838 foram admitidos nesse ano.
Impõe-se uma mudança de paradigma em Portugal, de forma ter capacidade a nível económico e social para assegurar boas condições de bem-estar e saúde à sua população idosa, atendendo às recomendações da Estratégia Europeia de Prestação de Cuidados 2022 e ao Pilar Europeu dos Direitos Sociais, no Princípio 18: Cuidados de longa duração.
O próximo desafio no âmbito da RNCCI é aumentar a capacidade de respostas nas várias áreas, mediante a implementação do PRR, a fim de se melhorar a celeridade do acesso do cidadão às mesmas, com redução das listas de espera.
Neste conjunto de medidas, destaca-se a criação do projeto piloto para as unidades de dia e promoção de autonomia, permitindo a permanência do doente no domicílio, retardando ou evitando o recurso a estruturas residenciais, mantendo a continuidade dos cuidados necessários à sua reabilitação, com segurança e facilitando a conciliação da vida profissional e familiar do cuidador.
O PRR pretende aumentar a RNCCI, mas de forma equitativa, chegando onde se verificam as maiores necessidades, colmatando lacunas territoriais no acesso aos cuidados de longa duração.
A par, pretende-se manter a RNCCI atrativa em termos financeiros para os promotores; acessível ao cidadão, quer em termos de ingresso, que em termos financeiros; implantar soluções digitais acessíveis na prestação de serviços de cuidados e promover a melhoria contínua na qualidade dos serviços prestados.
A falta de recursos humanos na RNCCI, quer a nível de profissionais diferenciados, como indiferenciados, é uma realidade que não nos podemos esquecer, sendo o trabalho desempenhado na sua maioria por mulheres. É necessário melhorar as condições de trabalho de forma a atrair mais pessoas, tanto homens como mulheres.
Importa assim, a conjugação de sinergias para promover a partilha de recursos e de responsabilidades, envolvendo as tutelas da segurança social e saúde, autarquias, IPSS, entidades com fins lucrativos, indo ao encontro da resposta mais adequada e da satisfação do utente, bem como daqueles que prestam cuidados.
Por uma Garantia para a Infância em Portugal
Em 2019, a Presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, anunciou pela primeira vez, a criação de uma Garantia Europeia para as Crianças com o objetivo de garantir que todas as crianças na Europa em risco de pobreza ou exclusão social tivessem acesso aos direitos mais básicos, como saúde e educação.
Em março de 2021, após consultas com as principais partes interessadas, incluindo as próprias crianças, a Comissão Europeia adotou uma proposta de Recomendação do Conselho que vinha estabelecer uma Garantia Europeia para a Criança. Ao mesmo tempo, a União Europeia deu passos muito importantes em prol de uma efetiva promoção de Direitos e igualdade de oportunidades para todas as crianças, sendo disso exemplos o Plano de Ação para o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, assumindo como meta a redução de 5 milhões de crianças em risco de pobreza ou exclusão social na Europa bem como a adoção de uma Estratégia Europeia dos Direitos da Criança.
A aprovação unânime da Recomendação da Garantia Europeia para a Infância, veio a acontecer a 14 de junho de 2021, em Portugal no âmbito do seu mandato da Presidência do Conselho.
O principal objetivo da Garantia Europeia da Criança é prevenir e combater a pobreza e a exclusão social, garantindo o acesso efetivo das crianças em pobreza a um conjunto de serviços essenciais: educação e cuidados gratuitos na primeira infância, educação gratuita (incluindo atividades escolares e pelo menos uma refeição saudável por dia escolar), cuidados de saúde gratuitos, uma alimentação saudável e acesso a uma habitação adequada, e assim extinguir as barreiras existentes decorrentes da sua situação de desvantagem resultante da situação de pobreza ou de exclusão social em que se encontram.
Mesmo sabendo que a maioria das crianças na União Europeia já têm acesso a estes serviços, pretende-se ir mais longe, garantindo o acesso verdadeiramente inclusivo, universal e de qualidade e assim garantir uma verdadeira igualdade de oportunidades para todas as crianças.
Com vista à implementação efetiva da Recomendação Europeia, os Estados Membros procederam à designação de Coordenadores Nacionais de Garantia da Infância (RCM n.º 136/2021 de 1 de outubro), responsáveis pela elaboração e apresentação dos planos de ação nacionais, cobrindo o período até 2030.
No caso concreto de Portugal o desafio foi de imediato assumido pelo Governo português no sentido de uma efetiva construção de um quadro integrado de políticas favoráveis à luta contra a exclusão social das crianças e jovens, assegurando uma coerência na sua construção e aplicação ao nível nacional, regional e local.
O Plano de Ação Nacional da Garantia para Infância é aprovado pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 3/2023 de 17 de janeiro e o processo da sua construção teve subjacente a participação de várias entidades públicas e do setor social, personalidades, organizações não-governamentais e da sociedade civil, bem como das próprias crianças e jovens e famílias.
A implementação do Plano de Ação já se encontra em curso, através da implementação de várias medidas que visam concretizar os objetivos assumidos, sendo exemplos a prestação social da “garantia para a infância”, implementada em 2022, dirigida às crianças em situação de pobreza extrema ou a gratuitidade das creches para todas as crianças dos 0 aos 3, e a sua implementação decorrerá até 2030 através da aplicação das 76 medidas de políticas públicas intersectoriais que o integram, assentes em quatro pilares fundamentais: emprego, qualificações e competências; proteção social e ação social; serviços de qualidade; crianças e jovens com especial vulnerabilidade, com vista à concretização de 12 objetivos estratégicos e o alcance da metas assumidas por Portugal quer no âmbito da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza de reduzir para metade o número de crianças em situação de pobreza monetária o que significa retirar desta condição 170.000 crianças, quer no âmbito da concretização do Pilar Europeu dos Direitos Sociais de reduzir 161.000 crianças e jovens em situação de risco de pobreza ou exclusão social, até 2030.
A concretização dos objetivos da Garantia para a Infância depende em muito da capacidade de ser assegurado um processo de diagnósticos, de planos de desenvolvimento social locais e da definição e implementação de modelos de intervenção social integrada, de natureza local e de proximidade aos fenómenos de pobreza e exclusão social, em função das necessidades específicas das famílias, das crianças e dos jovens, por forma a garantir uma adequada identificação e mobilização de recursos necessários para a efetiva resolução dos problemas em função das especificidades sociais e territoriais.
Neste contexto, a articulação com os municípios, dada a sua posição privilegiada de proximidade das pessoas, acrescida pelo processo de transferência de competências ao nível da ação social, reveste-se de especial importância.
A operacionalização do modelo de intervenção integrada local que o Plano de Ação propõe tem subjacente uma abordagem totalmente convergente com os princípios e objetivos do Programa da Rede Social (implementado em Portugal desde 2006 através do Decreto-Lei 115/2006 de 14 de junho) prevendo a criação, no âmbito dos Conselhos Locais de Ação Social (CLAS), de Núcleos Locais da Garantia para a Infância (NLGPI), dirigidos às crianças e jovens e famílias em situação de pobreza e vulnerabilidade social que, através da otimização dos recursos existentes na comunidade, do impulso de sinergias e no quadro de uma efetiva cooperação e aplicação conexa de políticas nacionais e locais, especialmente atentos às particularidades específicas de cada território, e com base numa abordagem integrada e multidisciplinar, permitem assegurar uma resposta eficaz às necessidades das crianças e das suas famílias, com vista à prossecução dos objetivos da recomendação europeia da garantia para a infância, à promoção da coesão e do desenvolvimento social, potenciando uma efetiva integração social.
O Plano de Ação centra, assim, o seu foco na garantia do acesso das crianças e jovens, que se encontram em situação de pobreza e exclusão social, a Direitos, benefícios e serviços essenciais de qualidade, através de ações que permitam extinguir as barreiras ainda existentes, assegurando e facilitando uma efetiva participação social ao longo de todas as etapas de implementação e desenvolvimento das medidas que o compõem, realçando a especial importância que a abordagem de proximidade e local, a participação e o compromisso social alargado assumem na concretização deste objetivo social de combate à pobreza.
Uma sociedade verdadeiramente desenvolvida é aquela que reconhece que o problema da pobreza é da responsabilidade de todos e de cada um, que acredita que o investimento em oportunidades iguais para todas as crianças lança as bases para o crescimento sustentável e verdadeiramente inclusivo, favorecendo a construção de sociedades justas e resilientes bem como uma convergência social ascendente.
Sónia Almeida
Coordenadora Nacional da Garantia para a Infância