Combater a Pobreza, um desígnio nacional

 

Reconhecendo a importância da universalidade e indivisibilidade de todos os direitos humanos, a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030 (ENCP), aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros a 29 de dezembro, assume o propósito de reduzir até 2030 a pobreza em Portugal. Esta redução, que converge com o Plano de Ação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, assim como com a Agenda Territorial 2030 assume, desde logo, um objetivo central a cumprir até 2030, que consiste na redução da taxa de pobreza monetária para 10% (menos 660 mil pessoas naquela situação), que abrange a redução de 50% do número de crianças em pobreza monetária e de 50% do número de trabalhadores em pobreza monetária (menos 170 mil crianças e menos 230 mil trabalhadores nesta situação).

 

A implementação será consubstanciada em seis eixos de intervenção: i) reduzir a pobreza nas crianças e jovens e nas suas famílias; ii) promover a integração plena dos jovens adultos na sociedade e a redução sistémica do seu risco de pobreza; iii) potenciar o emprego e a qualificação como fatores de eliminação da pobreza; iv) reforçar as políticas públicas de inclusão social, promover a integração societal e a proteção social de pessoas e dos grupos mais desfavorecidos; v) assegurar a coesão territorial e o desenvolvimento local e vi) fazer da pobreza um desígnio nacional.

 

Para atingir este grande objetivo é fundamental que o combate à pobreza seja assumido como desígnio nacional, com políticas públicas robustas e eficientes, serviços com recursos adequados e em pleno funcionamento e a cooperação dos diferentes atores públicos e privados e dos diferentes níveis de atuação - local, regional, nacional e internacional.

 

O país tem, ainda, um longo caminho a percorrer na garantia de condições de vida dignas para todos. Apesar da melhoria recente dos principais indicadores de desigualdade, pobreza e exclusão social divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística, a partir do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR) realizado em 2022, e que nos dão esperança relativamente aos objetivos que se pretendem alcançar, sabemos que a pobreza e a exclusão social em Portugal permanecem um desafio de carácter estrutural, que exige uma visão global e integral, em detrimento de medidas pontuais, parcelares ou sectoriais e um compromisso político forte para que tenhamos políticas públicas capazes de retirar as pessoas da condição de pobreza e garantir que cerca de dois milhões de portugueses tenham os mínimos indispensáveis para uma vida digna.

 

Há necessidade de criar dinâmicas na sociedade que criem um ciclo virtuoso que combine o acesso à educação e trabalho de qualidade, a serviços públicos de qualidade, o direito à habitação digna, a uma proteção social robusta e eficaz e à cultura. A continuidade da aposta na recuperação do emprego e na promoção de condições de trabalho dignas é fundamental para combater a pobreza e a exclusão social, mas é igualmente fundamental repensar o nosso sistema de mínimos sociais, reforçando os apoios do Estado aos grupos mais desfavorecidos e dando um novo impulso à economia social, em nome da igualdade de oportunidades. Tudo isto está previsto na ENPC, que se pretende seja consensual e assumida por todos, procurando-se garantir que tenha, também, uma dimensão global.

 

A sua operacionalização irá concretizar-se através de Planos de Ação quadrienais, através dos quais se pretende assegurar a realização das ações que permitam alcançar as metas definidas em cada um dos eixos e objetivos estratégicos. Para além da redução dos níveis de pobreza, as propostas apresentadas na ENPC têm em conta a necessidade de reduzir elevados níveis de desigualdade que caracterizam a sociedade portuguesa, enquanto entraves à coesão social, ao crescimento económico, à participação e, em última análise, à democracia.

 

A ENPC tem também subjacente a preocupação com as condições de vida a satisfazer pela população, ou com os recursos que a mesma deverá ter para aceder a um determinado nível de vida, assumindo a pobreza como um fenómeno complexo e multidimensional, e que, por isso, vai muito além da definição de pobreza enquanto privação de recursos monetários.  O que está em causa é assegurar a plenitude dos direitos humanos a todas as pessoas, enquanto membros ativos de uma sociedade que beneficia do seu contributo individual não deixando ninguém para trás. Trata-se, também, de corrigir situações de oportunidades desiguais de acesso a áreas como a educação, habitação, saúde, trabalho, segurança social, que constituem importantes sistemas de Política Social.

 

Para isso, um conjunto de instrumentos de planeamento e de políticas públicas, com focos setoriais e planos de intervenção distintos — concertados e convergentes —, servem a estratégia orientada para o combate à pobreza e a diminuição sustentada e sustentável das desigualdades que está a ser prosseguida em Portugal.

 

A ENCP reconhece e incentiva as importantes contribuições de organizações de direitos humanos e da sociedade civil, incluindo organizações não governamentais, instituições académicas, empresas e sindicatos, para a promoção e proteção dos direitos económicos, sociais e culturais, e sublinha a importância da consulta e da participação das pessoas afetadas nas decisões que as afetam.

 

O seu êxito, ou melhor, o êxito na realização da missão assinalada à Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, está diretamente relacionado com a capacidade que esta possa revelar na articulação da ação das políticas sectoriais, bem como na capacidade para congregar vontades e mobilizar para a ação os agentes públicos, privados e cívicos na temática do combate à pobreza.

 

Pessoalmente, estou convicta que é na garantia de uma atitude de proximidade com os/as cidadãos/cidadãs e com as comunidades, e de práticas políticas promotoras da participação de todas as entidades e instituições, que construiremos um país mais coeso, em que a luta contra a pobreza e a exclusão seja a marca distintiva do crescimento e desenvolvimento de Portugal. 

 

Trata-se de uma tarefa de grande envergadura, é preciso que os portugueses e as portuguesas tenham noção da realidade, de uma forma clara, transparente e objetiva e que todos e todas – as pessoas e as instituições – se sintam mobilizados e corresponsáveis para a ação imediata.

 

Sandra Araujo

Coordenadora da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030